Você certamente já ouviu falar da toxina botulínica e do ácido hialurônico. O primeiro é mais conhecido como Botox®, e é muito usado para amenizar rugas e linhas de expressão. O segundo é uma substância produzida fisiologicamente em nosso organismo, um líquido viscoso altamente solúvel em água que confere sustentação, hidratação e elasticidade à pele. Produzido de forma sintética, o ácido hialurônico está presente em diversos cremes e loções antirrugas, e é usado no preenchimento facial.
Considerando essas breves definições, já deu pra entender pra que um dermatologista usa a toxina botulínica e o ácido hialurônico. Mas e o dentista? Para o cirurgião-dentista, a toxina botulínica é um recurso terapêutico que a Odontologia dispõe para solucionar uma série de problemas (além do estético).
Como age o Botox®?
A toxina botulínica age paralisando um músculo em hiperfunção de forma que ele volte a funcionar normalmente. Ou seja: o músculo, por algum motivo, está trabalhando demais, e a injeção de Botox® no lugar certo “enfraquece” esse músculo, fazendo com que ele trabalhe somente o necessário. Tudo muito bonito… mas tenha em mente: a toxina botulínica é uma toxina que age como um bloqueador neuromuscular, portanto ela interrompe a comunicação entre o músculo e o nervo, interferindo diretamente na função do músculo. Ela, literalmente, lesiona tecidos. Por isso sua aplicação tem que ser na dose certa e no lugar certo, por médico ou dentista que conheça profundamente a anatomia da região tratada e as consequências da aplicação dessa substância.
Partindo desse conceito, a aplicação de toxina botulínica é útil na Odontologia nos seguintes casos, que analiso em separado.
O Botox® pode ser usado pra tratar o quê?
Bruxismo:
O bruxismo é o hábito de ranger os dentes, seja durante o sono ou em vigília (acordado). A aplicação de toxina botulínica em determinados músculos da face pode ajudar aquelas pessoas que rangem e/ou apertam os dentes, diminuindo a força dos músculos envolvidos nesse hábito. Como resultado, as dores musculares diminuem e os desgastes dentários são estabilizados.
DTM e Dor Orofacial:
Há controvérsias sobre o uso da toxina botulínica para o tratamento de Disfunções Temporomadibulares, por uma razão simples: essa substância não trata DTM, apenas alivia os sintomas do paciente que tem DTM do tipo miofascial. Considerando a lesão tecidual inerente à aplicação da toxina botulínica, e que as lesões recorrentes levam a uma alteração muscular cumulativa, os músculos mastigatórios podem chegar a um estado de hipofunção (função abaixo do normal) permanente. Além disso, o alívio dos sintomas é passageiro, e a tendência é que a dor retorne e os músculos respondam cada vez menos à aplicação da toxina. Em resumo: ajuda, mas não resolve; não resolve e ainda causa outros problemas.
Sorriso Gengival:
Algumas pessoas têm o sorriso “alto”, ou seja, quando sorriem mostram gengiva demais, e o ideal é que apareça só um pouquinho de gengiva. As causas do sorriso gengival podem ser várias, e vão desde o mau posicionamento da base óssea até à hiperfunção do músculo levantador do lábio superior. Esta é a situação que pode ser tratada com a aplicação de Botox®, desde que a distância do lábio até a gengiva não exceda 3 mm (além disso, o tratamento costuma ser cirúrgico). Uma pequena aplicação nesse músculo deve impedir que ele suba, diminuindo o sorriso gengival do paciente.
Enxaqueca:
E cirurgião-dentista especialista em DTM e Dor Orofacial pode usar a toxina botulínica no tratamento de cefaleias (dores de cabeça) e da migrânea crônica, mais conhecida como enxaqueca. A toxina botulínica nesse caso não visa a diminuição da função muscular mas a atuação direta em neurônios sensitivos aferentes que estão disfuncionados, liberando na periferia neuropeptídeos inflamatórios como Substância P, CGRP, etc.. Com isso, há uma redução na sensibilização periférica, o que contribui para reverter o quadro de sensibilização central.
E dentista pode aplicar Botox® com fins estéticos?
Pode. Há quem insista que não, mas a legislação a respeito é clara: cirurgiões-dentistas podem, sim, atuar na harmonização da face, algo que na prática sempre fizemos, mas que atualmente tem estado em evidência e chamado a atenção de críticos e admiradores. Ora, quase tudo na Odontologia tem fim – também – estético! Basta que o dentista esteja capacitado na técnica através de cursos reconhecidos pelo CFO (Conselho Federal de Odontologia).
Falando especificamente da legislação: segundo a lei 5081/66, que regulamenta o exercício da Odontologia no Brasil, compete ao cirurgião-dentista “prescrever e aplicar especialidades farmacêuticas de uso interno e externo, indicadas em Odontologia”. Além disso, em setembro/2016 o plenário do CFO aprovou por unanimidade a regulamentação do uso da substância toxina botulínica e do ácido hialurônico por cirurgiões-dentistas, para fins terapêuticos funcionais e/ou estéticos, desde que não se extrapole a área anatômica de atuação do profissional da Odontologia. O uso estético dessas substâncias deve ter como finalidade a harmonização facial em sua amplitude (leia-se: além da boca).
Para deixar claro: á área anatômica de atuação do cirurgião-dentista vai do osso hioide à inserção do cabelo (vista frontal) e de tragus a tragus (vista lateral). Em resumo: a face toda.
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